QUERO APRENDER COM A ALEXANDRINA
Eugénia e Chiafredo Signorile

Um pequeno florilégio dos escritos
da Beata Alexandrina Maria da Costa
feito pelo Casal Chiafredo e Eugénia Signorile

1

ALEXANDRINA E O PRÓXIMO

Com quem sofre

O meu pobre coração, apesar de ser tão mau, sofre, sofre, morre por não poder desfazer-se em pão, agasalhos, em conforto, alegria, consolação e bálsamo para quantos sofrem. S (16-1-48)

Eu queria ser bálsamo para todas as feridas, consolação para todas as tristezas, conforto para todos os desalentos, alimento para toda a fome, agasalho para todo o frio, remédio para todo o mal.

Eu não sou ninguém, não sou nada, nada valho. S (21-5-48)

Queria percorrer o mundo para enxugar todas as lágrimas, consolar todos os aflitos, vestir todos os nus, saciar todos os famintos.

Queria difundir na humanidade inteira, nos corpos e nas almas, a caridade de Cristo.

Ó santa caridade do meu Senhor, como tu és bela, quanto tu podes alegrar e consolar o meu Jesus! S (12-02-48)

Com quem a faz sofrer

Quero assemelhar-me a Jesus; quero, ainda que com muito custo, pedir sempre, sempre por aqueles que me ferem. S (28-2-47)

Quando os espinhos me penetram mais profundamente, quando as contradições e as humilhações me esmagam, digo:

“Sede bendito, ó Senhor! Seja tudo por amor a Vós e para a salvação das almas.

Eu me vingarei, meu Jesus, pedindo-te na terra e no Céu por todos quantos me fazem sofrer”. S (25-07-52)

Amo os que me amam, amo os justos e os pecadores, amo todos os que me ferem, porque em todos vejo Jesus e a todos amo por amor de Jesus.

Adeus, ó mundo! Não sejas mais ingrato, não peques mais!

Vou para Jesus, mas continuo a velar por ti. S (01-11-45)

Eu estou resignada: recebo tudo como dons do Céu e vejo em todos os que me fazem sofrer a imagem de Jesus e perdoo a todos. C (20-03-46)

Meu Jesus, tirai de mim a reparação precisa.

Eu aceito, eu quero sofrer por quem quer que seja, amigos ou inimigos meus, não me importa: são filhos do Vosso sangue divino; eu a todos quero salvar. S (31-01-47)

Com todos: o sorriso

Em todas as fotografias Alexandrina aparece com o sorriso: é uma sua característica. Pensamos que será recordada ao longo dos séculos como «a santa do sorriso».

Jesus pediu-lhe com insistência que sorrisse sempre, mesmo na dor:

Dá-me a tua dor escondida no sorriso e no amor. S (09-12-49)

Sorri à dor, para que Eu possa sorrir quando julgo os pecadores. S (08-12-50)

...esconde o martírio da tua alma com o teu sorriso, o mais que te seja possível.

É com o teu sorriso, ou melhor, com o meu sorriso que está nos teus lábios, que fazes o bem, um grande bem, o máximo bem a tão grande número de almas.

Eu estou no teu coração com o Pai e com o Espírito Santo; falo pelos teus lábios e sorrio com os teus lábios. S (08-02-52)

E Alexandrina obedeceu, às vezes com um esforço heróico no sofrimento atroz.

Ah, a minha dor, o sofrimento da minha alma!

Sofro sofrendo e sofro sorrindo. S (07-09-45)

Jesus manda-me sofrer com alegria. S (02-11-46)

Eu sorrio a todos, mas é enganador o meu sorriso: é para encobrir as grandes angústias que me passam na alma. C (18-06- 46)

Todo o meu corpo era uma chaga viva; a cabeça, uma fonte de sangue.

A alma andava sempre chorando, enquanto os lábios sorriam, confortavam e davam conselhos. Sujeitava-me a tudo (muitas visitas de várias pessoas), vencendo a minha repugnância, por amor a Jesus. S (26-05-50)

Sorrio a todos enquanto a alma chora. Parece-me que engano todos em todos os sentidos: mostro-me feliz e contente, mas a minha felicidade e o meu contentamento estão só no sofrimento e no cumprimento da vontade do Senhor. S (29-08-47)

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2

ALEXANDRINA E A VIDA DIVINA

Conformidade ao querer de Deus

...mas a minha felicidade e o meu contentamento estão só no sofrimento e no cumprimento da vontade do Senhor.

Eis uma componente essencial da espiritualidade de Alexandrina: a conformidade ao querer de Deus.

Alexandrina é toda um ímpeto de amor a Deus e a oblação da própria vontade é um elemento característico do amor.

Este amor a Jesus muitas vezes é expresso também como um sorriso da alma. Alexandrina explica-se bem na carta de 18-06-46 ao seu director Pe. Pinho:

Mas eu tenho um sorriso muito diverso do dos meus lábios, e sinto-o continuamente: é um sorriso de dentro, sorriso interior, sorriso doce, sorriso terno, sorriso que beija e abraça a vontade do Senhor, sorriso que me liga à cruz juntamente com toda a dor, paranunca mais a deixar. É Jesus que ma oferece.

Este sorriso é real, não é enganador: é o sorriso à cruz e à vontade daquele que ma enviou.

Eis outras frases que mostram tal conformidade:

Entre tantos espinhos, tantos sofrimentos, em tão pesada cruz, sinto a alegria da alma que sorri a tudo quanto vem das mãos do Senhor.

Eu posso gemer, podem chorar os olhos do corpo, mas os da alma estão contentes, dispostos a receber todo o martírio que o Céu me manda. C (02-06-48)

Em nada encontro alegria, senão no senão no esforço contínuo de querer fazer com perfeição a vontade do Senhor.

Quero sorrir a tudo, mas a minha natureza é tão frágil! Entristece, definha e morre. C (22-09-51)

Eis-me aqui (na fadiga de ter de ditar o diário), na renúncia de mim mesma, sujeita à obediência, contrariando a minha vontade, obedecendo cegamente, não tendo vontade, querendo só o que Jesus quer.

Eu não queria dizer mais nada, sufocando completamente tudo quanto acontece em mim. Se assim fizesse, entraria a minha vontade, não renunciaria a mim mesma, não obedeceria.

Jesus ficaria triste: não posso consentir isso!

Obedeço cegamente, obedeço por amor. S (23 – 02-51)

Não posso falar. Envio ao Céu o meu sacrifício de cega obediência. S (21-01-55, ano da morte)

Agradecemos à Beata Alexandrina pela sua heróica conformidade com o querer de Deus; de outro modo, ficaríamos privados de milhares de páginas densas de riquíssimos tesouros, tão salutares para nós!

Alexandrina e o prémio

O verdadeiro cristão não segue pelo caminho recto movido pelo temor do castigo ou pelo desejo do prémio, mas só por amor a Jesus, que ama a ponto de se tornar sempre mais semelhante a Ele. Alexandrina afirma:

Eu não sofro com a vista no prémio: sofro porque o meu coração tem sede de Jesus e só nele pode ficar saciado. C (23-03-40)

Eu não procuro a minha honra, a minha glória (estamos em 47 e o seu Caso já adquiriu notoriedade), mas a tua, Jesus. Eu não sofro com os olhos no prémio para mim, mas com o fim de salvar-Te almas. S (10-01-47)

Ó meu Jesus, meu Jesus, eu não quero a minha alma pura com o fim de não ir sofrer no purgatório: quero-a pura para Te consolar, quero-a pura porque não Te quero ferir, quero-o pura para Te salvar as almas com a mesma pureza.

É por isto que eu sofro, é por isto que tudo aceito, meu Jesus (...) S (21-02-47)

Eu queria amar até à loucura, eu quero amar o meu Jesus sem o fim da recompensa do Céu.

Não me interessa o prémio que Jesus me dá: quero amá-Lo, só a Ele acima de tudo, porque é digno de amor.

O fim do meu viver, o fim da minha dor é Jesus com as almas, mas é sempre Jesus porque as almas lhe pertencem. S (28-02-47)

Humildade

Uma nota fundamental e muito insistente na sinfonia espiritual de Alexandrina é a humildade.

O seu nascer pobre, num lugar pobre e ignorado, a sua instrução quase nula (pouco mais que um ano da primária!) terão contribuído para a sua atitude humilde. Mas a sua virtude está em manter-se sempre humilde mesmo quando a sua fama se espalha. Pelo contrário, a notoriedade fá-la sofrer!

Na sua vida mística, extraordinária, tão rica de virtudes, não atribui nada de bom a si, mas tudo a Jesus; e sempre se defende quando Jesus a louva.

Jesus, há em me alguma coisa de bom, de louvável? não o sinto, não o conheço.

Mas, se há, pertence-Vos, não é meu. S (22-01-45)

Ó meu Jesus, conta sempre comigo como vítima.

Não contes com o meu amor, mas com o teu, porque é com esse que Te amo; não contes com a minha generosidade e com minha força, mas com as tuas: é a tua generosidade, é a tua força que me levam a aceitar com alegria todo o sofrimento. S (05-04-47)

Vivi só graças a Ti e por Ti. Só em Ti confiei.

Nunca, nunca confiei em mim; pela tua graça, nada atribuí a mim, nunca, nunca.

O meu nada, a minha miséria imensa, a minha inutilidade é o que me está sempre, sempre presente (...) S (03-07-53)

E voltada para Nossa Senhora, diz:

Tu sabes, querida Mãezinha, quanto me sinto pequena na tua santíssima presença.

Quantas vezes Te disse que não sou digna de beijar não só os teus santíssimos pés, mas nem sequer o chão onde os teus pés não pousaram, mas fizeram sombra! S (02-08-47)

Naturalmente, a sua humildade dirige-se sempre também ao próximo.

No entanto, assina sempre “a pobre Alexandrina”.

Em seguida, ouçamos as seguintes frases:

Eu não desejo ser mais que as outras almas. Quero para todas o que quero para mim: o amor mais puro, mais ardente, mais santo. C (26-07-39)

Se a dor de algumas almas que me ferem com espinhos me aflige, esforço-me por não pensar nas suas faltas e digo: 

Ó Jesus, modelai-as Vós, assemelhai ao Vosso os seus corações.

Modelai-as e assemelhai primeiro que tudo o meu, porque é o que mais necessita.

Jesus, Mãezinha celeste, sou eu a filha mais indigna e mais pequena que tendes na terra. S (12-07-45)

Tenhamos presente que este seu sentir-se “pequena” não lhe impede de aspirar a ser útil para o bem, a tornar-se santa desenvolvendo a sua missão de salvação das almas.

Meu Deus, eu quero ser pequena aos olhos do mundo, mas grande aos teus divinos olhos”. C (04-11-35).

Confia em Jesus:

Ele pode do nada fazer tudo. E na filha mais indigna e pobre pode acumular as maiores graças e enchê-la das maiores riquezas.

Eu sou o instrumento mais inútil nas suas divinas mãos. Se for de seu agrado, poderá fazer-me útil para tudo e para todos. C (06-09-41)

Jesus, sê Tu bendito! eu sou pequena, eu sou um nada. Manobra este nada a favor da humanidade.

Acolhe os pedidos da mais indigna das tuas filhas! S (24-09-54)

E eis algumas respostas de Jesus:

Gosto das almas simples, pequeninas e por esta razão as mais miseráveis elevo-as à maior grandeza.

A humildade, a humildade, filha amada, quanto Me consola! É por isto que te amo (...). S (04-05-46)

Triunfa, triunfa na tua pequenez!

Toda a alma humilde e ansiosa de viver desconhecida é grande com o seu Senhor, eleva-se com o seu Senhor.

O humilhado por amor a Jesus é exaltado no amor de Jesus. S (28-08-53)

Terminemos com um fragmento de diálogo entre Jesus e Alexandrina:

– Ó meu querido Jesus, eu queria dar-Vos amor, dar-Vos reparação e do mundo retirar toda a maldade. São Vossos os meus desejos: de mim nada tenho, mas com o que é Vosso muita coisa posso fazer.

Dai-me luz, dai-me a Vossa graça!

– Tem confiança, minha filha: do nada fiz Eu tudo.

Nas coisas pequeninas eu faço as maiores maravilhas. A alma humilde é tudo para o Meu divino Coração.

Do teu nada elevo-te à maior grandeza; na tua cegueira possuis toda a luz. S (17-09-48)

Confiança, entrega

Deus é amor, e Deus para nós é pai. Logo, um pai que ama.

Não só, mas é também omnipotente. Logo, tudo pode e tudo faz para o nosso bem.

O verdadeiro cristão, como filho, deve fazer de tudo para retribuir tal amor.

Então deveria conseguir, em todas as situação, entregar-se ao amor do Pai e a estar “tranquilo e sereno como um menino desmamado nos braços da sua mãe” (Sl 130).

Certo, é muito difícil em alguns casos chegar a atingir este estado de ânimo! Ocorre intensificar o nosso amor e a nossa oração pedindo ajuda neste sentido. E a ajuda não faltará, a seu tempo! Os tempos de Deus não são os nossos; e certas demoras longas são queridas pelo Sumo Bem para a nossa santificação e para outros bens que não conhecemos.

Também nisto Alexandrina é nossa grande mestra.

Confio só no meu Jesus: ao ver-me assim tão frágil e pequena, ajudar-me-á mais.

Jesus, quero ser sempre pequena para andar sempre ao teu colo, para ficar sempre entre os teus braços divinos: assim não temo nenhuma queda.

Contigo posso levar a minha cruz. C (07-09-39)

Tu deste-me a graça de eu conhecer o abismo da minha miséria, mas ao mesmo tempo vejo que maior, infinitamente maior é o abismo do teu amor, a tua misericórdia e compaixão.

Confio cegamente em Ti e em Ti espero. S (27-03-42)

Entreguei-me, confiante (...) Jesus e a Mãezinha celeste cuidam de mim, mesmo se eu não o sinto.

Creio, creio, meu Deus! Eu creio. S (06-10-50)

Nesta afirmação obstinada, repetida, sente-se a luta contra as dúvidas.

É uma luta que devemos enfrentar com a ajuda da oração.

Mas eu confio, meu Jesus, confio, mesmo contra tudo, contra toda a morte das minhas esperanças.

Espero em vós, Senhor, e não serei confundida! S (29-08-47)

Eu estou firme em Jesus, abraço-me ao Crucifixo e procuro viver a vida de todos os momento sem pensar no que acontecerá, porque não há em mim alguma preocupação: sofrer, querer confiar e amar, fazer em tudo a vontade do Senhor. S (17-09-48)

Entreguei a Jesus e à Mãezinha a minha vida incompreensível: Eles, na sua sabedoria divina que tudo compreendem, ma aceitem.

A mim compete-me só sofrer e segui-los mesmo às cegas.

Seja em tudo feita a vontade do Senhor! S (28-05-48)

Esta é a atitude própria da alma-vítima. Nem todos somos chamados a um cume tão alto; mas todos nós cristãos devemos olhar naquela direcção.

É uma luta contínua contra as dúvidas!

Alexandrina, chegada a 1953, ainda deve pedir ajuda, mas depois reafirma a sua confiança:

Valei-me, Senhor, valei-me!

Fazei que a minha confiança chegue até vós.

Veja eu tudo contra mim, seja total o meu abandono, veja eu desfazer-se a terra e até mesmo o firmamento, mas não deixe de confiar em vós! S (27-11-53)

Serei eu capaz de suportar este viver assim?...

Posso tudo naquele que me conforta, tudo posso com Jesus e com a Mãezinha celeste. S (01-04-55)

Recordemos a afirmação de S. Paulo:

“Tudo posso naquele que me dá força.” (Fil 4,13)

Inabitação

Com o baptismo o cristão recebe o germe da vida divina; mas para que esta se desenvolva e torne operante, precisa da sua colaboração activa.

Jesus diz:

“Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o Pai meu o amará, e nós viremos a ele, e habitaremos nele.” (Jo, 14,23)

É este habitar da Trindade Santíssima no coração do cristão, tornado “filho de Deus”, que se chama “inabitação”.

Todavia, no viver quotidiano, a consciência desta estupenda verdade fica sufocada, na maior parte de nós cristãos

Alexandrina está entre aquelas almas eleitas, tão elevadas espiritualmente, que vivem nesta intimidade divina. Jesus diz-lhe:

O teu coração é trono de amor, de pureza, de delícias para toda a Trindade divina: habita em te para enriquecer-te sempre com toda a graça e as riquezas divinas.

Vai com a força do teu Jesus ditar tudo, para que nada fique oculto. S (24-05-46)

Poucos meses depois, Alexandrina dita:

Procuro viver sempre, sempre o mais possível, no íntimo da minha alma. E como vivo? De joelhos (espiritualmente) de mãos juntas, de cabeça inclinada, adorando e amando a Santíssima Trindade.

Eu adoro, amo só com os meus desejos: com a minha miséria não posso fazer mais.

Oh, se obtivesse que todas as almas vivessem a vida íntima com este Tesouro divino e o adorassem e amassem! S (05-10-46)

Continua a consciência da inabitação também durante as ocupações quotidianas:

Quero viver dentro deste corpo que não existe (está já fisicamente destruída, depois de cinco anos de jejum total, com todos os outros sofrimentos físicos e morais), quero viver lá tão dentro da vida interior, a vida íntima com Deus Pai, Filho, Espírito Santo, que não quero sair cá fora, cuidar do exterior sem deixar sempre de viver no interior.

Meu Jesus, meu Jesus, não deixeis que o mundo me separe de vós! S (17-01-47)

Quase dois anos depois Jesus diz-lhe:

Fala em ti o Pai, com o seu poder e sabedoria, o Filho com a sua redenção e amor, o Espírito Santo com a sua luz. Tudo é em favor das almas: de ti tudo transparece e nelas se infunde (...) S (05-11-48)

E ainda:

Escuta-me: tens no teu coração o Céu, a Trindade Divina, que não veio mas sempre em ti habita. Ela toda se delicia quando falas dela.

Que glória, que glória por ti lhe é dada! Quantas almas vivem a vida interior, a vida da Santíssima Trindade por teu intermédio!” S (22-07-55)

Por seu intermédio, na sua escola, logo, também nós nos empenhemos em não descurar o Tesouro divino que temos em nós!

E assim, a pouco a pouco, conseguiremos realizar o desejo que Jesus exprime a Alexandrina, mas que devemos sentir dirigido a nós mesmos:

Quero que tudo o que é meu em ti transpareça:

quero que os teus olhares tenham a pureza dos meus;

quero que os teus lábios tenham o sorriso, a doçura dos meus;

quero que o teu coração tenha a ternura, a caridade e o amor do meu;

em suma: quero que em tudo me imites. S (13-06-47)

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3

ALEXANDRINA E A ORAÇÃO

(extractos de “Mio Signore, mio Dio”[1])

Louvor e agradecimento

A verdadeira oração é um contacto do humano com o divino, e é essencialmente amor; um colóquio de amor – feito também de silêncios – entre a criatura e o seu Criador.

Alexandrina é toda amor em cada fibra do seu ser, vive concretamente a união com o Deus-Amor, por isso é uma “encarnação de amor” em cada sua oração, como em cada seu momento de vida.

Na sua escola aprendamos também nós a orar!

Vejamos rapidamente, em resenha, os vários aspectos da oração:

Ao ver as flores, admiro, louvo e adoro o poder de Deus...

Sente-se incapaz de um louvor adequado, por isso:

A todas as criaturas que louvam o Senhor, peço que O louvem por mim. S (19-03-48)

Fitava o Céu cheia de saudades e dizia:

“Oh! como é belo Aquele que te criou!” C (09-08-41)

Da contemplação do criado nasce um assombro que faz vibrar de reconhecimento todo o nosso ser, porque este se não sente desligado, fora da maravilha que contempla, mas envolvido, mesmo sendo um nada no Tudo.

É um adorar com amor grato por cada coisa, pois que tudo nos foi dado.

Para nós cristãos há ainda a Encarnação e depois a Eucaristia!

No nosso caminho encontramos momentos alegres, pelos quais nos é espontâneo agradecer:

Eu agradeço todos os benefícios que recebo, que conheço e não conheço, todos os que recebi e hei-de receber no tempo e na eternidade, que é o Céu. E agradeço os que por meu intermédio são concedidos às almas.

Agradeço por aqueles que não agradecem a Nosso Senhor, pela humanidade inteira.

E acrescenta:

Mas peço a Jesus – delicioso o seu amor a Jesus! – que não aceite este agradecimento como meu, mas sim como se fosse cada um a agradecer, para assim Jesus não sentir a ingratidão de nenhuma alma. S (07-08-53)

É-nos muito difícil pelo contrário agradecer pelos momentos dolorosos; isto é contrário à nossa natureza humana. Mas o cristão sabe que todo evento é querido ou permitido por Deus que é amor, por isso – atingida uma certa elevação espiritual – consegue agradecer também pelos momentos dolorosos.

Eis Alexandrina mestra:

Todos os dias, pouco depois da Sagrada Comunhão, rezo a “Magnificat” para agradecer as dores ou alegrias de cada dia ainda antes de elas virem. S (25-01-46)

Tive alegrias, que logo morreram, e espinhos, que sempre me ficaram a ferir.

Tudo recebi como mimos de Jesus, tudo lhe ofereci e agradeci do meu coração. S (01-08-47)

Obrigada, obrigada, Jesus, na consolação e na dor, na vida e na morte. S (03-04-53

Arrependimento e pedido de perdão

Fui muito má ao terminar esta tarde. Desgostei-O (a Jesus) com certeza. Grande pena e dor eu tenho com isso.

É nas mais pequeninas coisas que eu mostro quem sou. C (28-06-40)

Querida Mãezinha, fazei que eu chore rios de lágrimas de arrependimento pelos meus tantos pecados, e de tantos benefícios recebidos de vós e de Jesus. S (08-04-49)

Ao arrependimento deve seguir-se a conversão.

Lembras-te do muito que te ofendi?

Agora só quero amar-te... C (25-09-41)

O arrependimento e a vontade de conversão desembocam no pedido de perdão.

Ó Mãezinha, pedi perdão a Jesus por mim! Dizei-lhe que é o filho pródigo que volta a casa do seu bom Pai, disposta a segui-lo, a amá-lo, a adorá-lo, a obedecer-lhe e a imitá-lo. A p. 17

Ó meu Jesus, ó meu Jesus, perdão, perdão, perdão para os meus pecados. Perdão para os pecados da humanidade inteira! S (13-11-53)

O amor a Jesus é o seu único fim, sempre presente em cada uma das suas atitudes.

Quantos me odeiam e desprezam! Quantos me caluniam!

Ao interrogar-me a mim mesma dizendo: que mal lhes fiz eu?, logo me vem ao pensamento: que mal nos fez Jesus, a não ser amar-nos e morrer por nos?

E logo me sinto obrigada a perdoar-lhes e a repetir muitas vezes:

Perdoai-lhes, meu Jesus, permiti que se convertam e se abracem no vosso divino amor! S (13-05-43).

Invocação e súplica

A oração de invocação, de súplica não é com certeza entendida como um pedido que quer forçar Deus a fazer a nossa vontade, a secundar um nosso desejo, não! Deve ser a expressão duma dependência amorosa da criatura para o Criador; deve surgir de um coração humilde e amante que se abre em toda a sua profundidade e se entrega ao Pai a quem expõe as suas necessidades com a confiança de que – no momento oportuno – será favorecido, se isso não estiver em oposição com o Bem sumo, isto é, com a vontade de Deus.

As súplicas que Alexandrina dirige ao Céu são um exemplo belíssimo neste sentido: todas apresentam a humildade, de quem se sente pequeníssima, um nada diante daquele a Quem se dirige; a confiança, a fé, na misericórdia de Deus, confiança que nasce do amor recíproco; a insistência no pedir, que é solicitada pelo próprio Jesus como vemos no Evangelho. Eis alguns exemplos:

Ó Jesus, atendei às minhas preces, atendei, atendei, Jesus!

Não olheis a esta pobre, a mais pobre e miserável, que vos pede, mas olhai às vossas divinas promessas e à vossa exigência em me mandardes pedir-vos.

Peço, Jesus, peço e confio. S (01-02 52)

Confio que não desprezarás o meu nada e terás compaixão de mim. Dá-me a tua graça, guia-me sempre pelos teus caminhos!” S (29-10-48)

Jesus, peço-vos para ser santa, como vós o quereis, se o quereis. Peço-Vos para amar-Vos tanto como vosso divino Coração deseja. S (14-09-45)

Estou tão longe de ser perfeita, de tratar com todos a caridade de Jesus.

Ajudai-me, meu Amor, a converter-me deveras para vós, assemelhai-me deveras ao vosso divino Coração. Que ânsias eu tenho de vos amar e amar o meu próximo! Que fome de vosso amor, que fome de perfeição, que ânsias do Céu!

Tenho medo de mim mesma, temo-me em tudo e por tudo. S (05-08-49)

Meu Deus, meu Deus, que luta, que sofrimento, que combate entre mim e o ter que ser. A minha natureza a revoltar-se e a ansiedade de só querer a vontade do meu Senhor!

Eu chamo, eu chamo por Jesus e pela Mãezinha, peço-lhes a doçura, a mansidão, a paciência dos seus divinos Corações.

Peço ao divino Espírito Santo que me ilumine e me assista. S (22-06-51)

Jesus, tem dó, compadece-te de mim, enriquece este meu nada, enche-me do teu amor!

Não te peço que operes em mim maravilhas que se vejam: peço-te a maravilha e a riqueza do teu amor. C (14-05-41)

Dai-me, ó Jesus, o fogo do vosso santíssimo Coração.

Sede a minha força, dai-me a vossa paz! S (15-03-46)

Notemos que mesmo quando pede uma ajuda material, económica no risco de perder a casinha hipotecada, não falta a nota espiritual:

Ó Jesus, não Vos peço honras, grandezas, nem riquezas, mas peço-vos que nos deixeis a nossa casinha, para que minha mãe e irmã (pensa que a sua morte está próxima) tenham onde viver até ao fim da vida, para que minha irmã tenha onde colher as florinhas para compor o Vosso altar na igreja, aos sábados.

Ó Jesus, todas as florinhas são para vós.

Jesus, acudi-nos, que perecemos! Levai esta notícia longe, a quem nos possa acudir (virá de facto de Lisboa a ajuda, por intermédio do seu director, Pe. Pinho)!

Não Vos peço este nem aquele meio, porque não sei! Confio em vós!” (A p. 24-25)

Invocações a Maria

As invocações que Alexandrina eleva a Nossa Senhora estão presentes em quase todas as orações de súplica: sente-a como ajuda, como mediadora.

Como ajuda no amar:

Ó Mãe de Jesus, dá-me o teu amor para amar com ele o teu e meu Senhor! S (15-12-44)

Ajuda para participar na S. Missa:

(...) no momento da Comunhão pedi-Lhe que me fizesse comungar como comungaria Ela, se estivesse ali a receber Jesus. S (13-07-51)

Ajuda com o exemplo:

O teu caminho, Mãe de Jesus,

dá-me conforto para levar a cruz,

para levar a cruz nesta amargura

por entre trevas, em tanta secura. S (15-12-44)

Quando sofro pela morte que sinto em mim, digo: «A Mãezinha é a minha vida.»

Quando não tenho luz nem força para sofrer, repito: «A Mãezinha é luz, a Mãezinha é força.»

Quando sinto ser toda a minha vida um engano e que minto a mim mesma, murmuro: «Não me importo, a Mãezinha não se engana, Ela é a verdade.»

E em todas as coisas vou repetindo o mesmo: quero o que a Mãezinha quer, vou para onde Ela for. S (15-09-50)

Como mediadora:

As minhas pobres orações não chegam ao Céu.

Quero-as fazer ricas e valiosas, mas não posso.

Peço à querida Mãezinha para falar ela a Jesus e oferecer-lhe tudo, dizer-lhe tudo e pedir por mim. C (07-11-40)

Vou-Lhe (à Mãezinha) pedir muito que Ela nos alcance de Jesus um amor santo e puro, um amor sem limites que nos faça levar a cruz, as tribulações e angústias que Jesus nos enviar. Mas levá-las com alegria e amor, com confiança cega, que em tudo façamos a sua santíssima vontade. C (06-12-39)

Querida Mãezinha, vede se encontrais no meu nada algumas migalhinhas (de sofrimento) que sirvam para transformardes em flores para oferecerdes por mim ao meu Jesus. C (01-06-39)

Mãezinha, Mãezinha, pede ao teu Jesus luz para a tua filhinha, pede conforto para a minha alma! C (23-06-41)

Mãezinha querida, vinde à terra e tomai a vossa filhinha nos vossos santíssimos braços: quero dar-vos o coração; só vós o podeis encher com o vosso amor para eu poder amar a Jesus.

Incendiai-me com raios tão fortes de amor que eu possa incendiar o mundo.

Jesus não é amado! Com a minha dor e o vosso amor, hei-de fazer que Ele seja amado. Estou certa que assim também eu hei-de amar.

Mãezinha, Mãezinha, como há de ser belo ver todos os corações a arder por Jesus num só raio de amor! C (15-01-40)

Mãezinha, querida Mãezinha, ensinai-me a amar a Jesus! Eu amo-O com o teu amor e amo-Te com o seu. S (07-05-49)

Intercessão

O cristão participa nas tribulações do irmão, da irmã, sofre pelos perigos em que se encontram e invoca por eles:

Peço-vos por todos os aflitos em toda espécie, que de mim se têm aproximado.

Peço-vos por todos os que se me recomendam e pelos que se querem recomendar.

Peço pelo mundo inteiro, fiéis e infiéis, como o nosso Salazar e os nossos governantes.

E agora, meu Jesus, peço-vos pelas alminhas do Purgatório. S (14-04-50)

Também nos momentos mais fortes de vida mística (acaba de receber a Eucaristia da mão do Anjo da Guarda) não se fecha em si:

(...) meu sumo Bem, eu estou mais quente, estou mesmo ardente, mais forte e com mais luz. Benditos sejam o vosso amor e misericórdia comigo!

Estreito-Vos ao meu coração e peço-vos, meu bom Jesus, que dentro do vosso estreiteis aqueles que eu amo, todos os que me rodeiam e me pertencem e todos os filhos Vossos. Estreitai, Jesus, a humanidade inteira; perdoai-lhe, perdoai-lhe sempre! S (11-04-52)

A preocupação principal de Alexandrina é pelos perigos de carácter espiritual. A sua missão é para a salvação das almas e para inflamar os corações no amor à Eucaristia. Eis que pela sua família invoca:

Peço-vos por todos os que me são mais queridos e por toda a minha família: os que andam por caminho errado, convertei-os e os que estão em graça, afervorai-os e incendiai­-os no vosso amor! S (14-04-50)

Por um mendigo que bate à sua porta, Alexandrina ora e oferece sofrimentos; ele morre escorregando num rio. Angustiada, pergunta a Jesus:

– Meu Jesus, salvou-se a alma daquele homem que caiu ao rio?

– Sim, minha filha, foi às onze e meia da noite que compareceu na minha divina presença. Como foi belo e encantador, quando ele me viu diante de si, ainda antes de eu lhe pedir contas!

Disse-me:

– Perdoai-me, perdoai-me, meu Jesus! Só vós sois o meu Senhor.

Perdoei-lhe e foi salvo.

Tinha pedido também por um outro. Pergunta:

– E também o outro, meu Jesus?”

– Sim, minha filha, e muitos mais ainda; e salvos por ti, pelos teus sofrimentos.

Ora muito por eles. Eu estou cheio de compaixão... S (26-04-46)

Em segundo lugar ora pela cura dos doentes. À oração acrescenta sacrifícios, aumento de sofrimentos.

Naturalmente, não é sempre ouvida e algum morre! Vejamos dois exemplos de cura.

Por uma grave doença da mulher do médico e amigo Azevedo, Alexandrina empenha-se totalmente:

Pedi que acendessem as lâmpadas e as velas e se ajoelhassem todos.

Ofereci a Nosso Senhor o meu corpo e a minha alma como vítima da enferma; pus todo o Céu em movimento.

E pede:

Deixai-a, deixai-a, Jesus, para acabar de criar os seus filhinhos; provai-me agora o amor que me tendes! S (24-12-48)

Curou-se: morreu a 21 Fevereiro de 1986.

No fim de 1949 adoece gravemente a Mãe de Alexandrina. Podemos imaginar a angústia, o medo de que ela morra! Além disso Alexandrina tem o escrúpulo de não viver “bem” este trágico momento:

Mas eu não sofro com perfeição, não é verdade, meu Jesus?

Vós estais triste por eu chorar?

Jesus responde:

Não, minha filha, não! Também eu chorei e minha bendita Mãe chorou. Conheço tudo.

Depois acrescenta.

– Diz-me uma coisa. Se eu te pedia a tua mãezinha, não ma davas de boa vontade?

– Dou, dou, meu Jesus; mas não vo-la dou sem lágrimas, não posso; isso não prometo.

(...) Ó Jesus, se não é contra a salvação da sua alma, deixai-ma mais algum tempo junto de mim. Dai-me mais, mais sofrimentos, sobrecarregai-me a mim mais e aliviai-a.

E, se não é bem para a alma dela, quero perder tudo, mas que a alminha dela se salve.

Mas o que eu quero, ó Jesus, é que a leveis direitinha para o Céu; isso não dispenso [2].

– Pede, pede, minha filha; nada te será negado, a não ser que seja de prejuízo para as almas.

Prometo-te, quando chamar a Mim a tua mãe, levá-la direitinha para Céu, para minha glória. S (02-12-49)

Morreu depois de Alexandrina, em 24 Janeiro de 1961.

Perseverança na oração

mesmo sem forças e nas dúvidas da Fé.

Alexandrina mantém-se sempre unida a Deus, memo quando está completamente sem forças para uma oração vocal e também nas dúvidas sobre a Fé.

Parece-lhe não poder orar pela intensidade dos seus sofrimentos de todo o género, mas na realidade os seus momentos são todos uma oração.

O que nestes dias sofreu o meu pobre corpo, só Jesus o sabe; as agonias e as torturas da alma, só Ele as pode compreender.

Este martírio de alma e de corpo impede-me de orar, de meditar na sua santa Paixão.

Fixava-O na cruz brevemente e dizia só:

O que não sofreu Jesus por meu amor! Sofreu tanto que morreu por mim. E terei coragem eu de negar-lhe algum sofrimento da alma ou do corpo?

Oh, não, meu Jesus! Com a tua graça eu não Te negarei nada: sou a tua vítima dia e noite. S (04-04-47)

Não rezei quase nada por causa dos meus sofrimentos, pelo tão doloroso martírio. Fiquei quase completamente esquecida das coisas do Céu: disse a Jesus e à Mãezinha que isto não quer dizer diminuição do meu amor, mas é devido ao meu muito sofrer (estamos em 1954). S (19-02-54)

A minha oração vocal é quase nada, mas o meu Espírito, no meio das chamas do sofrimento, não se separou de Jesus, não cessando de oferecer-Lhe o nada do meu nada. S (24-02-50)

Passei uma noite sem dormir: sofria muito, não podia orar.

Só de tanto em tanto podia dizer alguma jaculatória. Mas estava sempre unida a Jesus, era sempre a sua vítima.

O meu coração estava em ânsias de dor e de amor. S (07-11-53)

Muitas vezes a sua alma exprime-se através do olhar:

Ah, quanto sofre este pobre corpo que não é nem sequer um farrapo!

Não sei e não posso falar ao meu bom Jesus nem à querida Mãezinha: olho-Os, com o fim de que o meu olhar lhes diga tudo e peça tudo.

Ah, pobre de mim! Que penoso viver para o corpo e para a alma! S (06-04-51)

Atormentada pelas dúvidas sobre as verdades da Fé, com uma vontade firmíssima, sempre reanimada pelo fogo do seu amor a Jesus, obstina-se a repetir o seu ‘creio’, mesmo sem convicção:

Tenho horríveis tentações contra a Fé: tudo me parece mentira.

“Creio em Deus Pai omnipotente. Jesus, eu creio em Te; Jesus, eu confio em Ti!”

Estou em um mar furioso. As ondas negras em que combate chegam até ao Céu. S (09-08-46)

– Ó Jesus, eu não ti vejo, não ti sinto, mas quero confiar que és Tu.

– Colóquio de Fé, colóquio de dor e de amor, minha filha: é o que Jesus te tinha anunciado. Sim, sem o amor, sem a tua loucura de amor não poderias sofrer assim e viver de Fé sem senti-la. Confia, confia. S (16-04-54; recordemos que Alexandrina é alma-vítima)

A minha vida é dor e trevas, sem interrupção de um só momento.

Toda a outra vida (a espiritual) se apagou, morreu; até mesmo o nome de Jesus e da Mãezinha! O Céu, a pátria bendita, tudo se apagou, tudo desapareceu. Parece que estes doces nomes não existem: Jesus, a Mãezinha, o Céu com a Trindade divina a quem tanto amava, morreram para mim.

Sinto isto, mas não deixo de invocar de alma e coração: “Jesus, Mãezinha, valei-me, sou vossa! Ó Céu, ó Céu, vem em meu auxílio!”

Assim brado eu no auge da minha dor.

Sem nada sentir nem ouvir como conforto e alegria, curvo-me para receber a cruz e repito sempre:

“Jesus, sou a Vossa vítima!” S (16-08-46)

É tal a aflição que me parece que todo o meu se estrancinha.

Então chamo por Jesus, por aquele Jesus que sinto ter perdido com a Mãezinha, por aquele Jesus em que sinto não acreditar.

Pois, quantas vezes, meu Deus, me parece ter perdido a Fé e não acreditar nas verdades da Santa Igreja, nem na vida eterna!

Mesmo com o sentimento de nada acreditar, invoco o Céu em seu poder. Vou repetindo o ‘creio na vida eterna!’ S (14-01-55)

Continuo a passar as noites a velar; passo algumas noites em que durmo alguns minutos, se aquilo que durmo se pode chamar “dormir”.

Oro, oro, falo muito com o Céu, sem dele receber conforto: todo o meu orar não chega a aparecer.

Toda a minha vida se apagou, como se em mim não houvesse nada. O Céu são trevas, a Terra são trevas e trevas em mim.

É um combate, é uma luta o viver sem alma, o viver sem Fé.

Ó meu Deus, meu Deus, não tenho guia nem luz que me alumie.

O meu abandono faz-me recordar o Vosso.

O combate é renhido. Os meus sentimentos tentam negar todas as coisas, como: Deus, a existência da alma e a eternidade.

Esforço-me por orar, como se tudo existisse; e a minha ansiedade é infinita em me dar a Jesus, em me dar às almas. S (25-03-55)

Mas o que a alma sente não é compartilhado pelo coração: obstina-se em agarrar-se à Fé, mesmo se lhe parece vão o seu martírio, vã a sua luta contra a natureza recalcitrante.

Creio, meu Deus, creio mesmo que este meu ‘creio’ me pareça sempre mentiroso.

Repeti-o hoje tantas vezes! Tantas vezes chamei por Jesus e pela Mãezinha:

Olhai para o meu coração e não para o meu sentimento! O coração não mente: tudo é por Vós, pelo Vosso amor e para as almas.

Creio, creio! Valei-me, valei-me, Jesus! S (15-04-55)

Quero orar, unir-me ao Senhor, e não posso: mantenho esta união o melhor possível.

Ofereço-Lhe todos os espinhos que, vindos dum lado e do outro, me atingem e fazem sangrar.

Mas como, Senhor, como oferecer tanta coisa na inutilidade? Nas trevas, na morte e, sobretudo, sem a Fé?

Meu Deus, que horror! S (01-07-55, três meses antes da morte).


[1] Mio Signore, mio Dio é um livro onde o Casal Signorile desenvolve o tema da oração na Alexandrina. Nota do tradutor.

[2] Não pareça muito ousada esta pretensão. Recorde-se que S. Catarina de Sena, pela morte do pai, fez o mesmo pedido a Jesus e, depois dum pouco de insistência, obtém a graça. Veja-se: Raimondo da Capua, Santa Caterina de Siena, ed. Cantagalli, Siena 1952, pp. 279-280.

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